No passado dia 8 de janeiro foi para o ar uma grande entrevista a Fernando Daniel, conduzida por Sílvia Alberto no programa "Sociedade Recreativa" da RTP1. Uma entrevista que revelou muita maturidade, humildade e vontade de vencer por parte do jovem talento de Estarreja.
O vencedor da quarta edição do The Voice Portugal falou do seu percurso no programa até à vitória, dos seus primeiros passos na música e do que se avizinha no futuro. Antes da entrevista, revelou até um excerto de um original, composto por si em inglês.
Sílvia Alberto: Já conseguiste assimilar o que se passou na noite de Natal de 2016?
Fernando Daniel: Eu logo no dia a seguir acordei e decidi ir tomar o pequeno almoço fora e muitas pessoas abordaram-me e deram-me os parabéns. Acabei por nem tomar o pequeno almoço mas o carinho das pessoas alimentou-me de certa forma.
Esta participação foi uma experiência única para ti?
Sim, é algo que já queria há muito tempo. Já tinha tentado no passado e até fiquei na dúvida se deveria ou não concorrer. Estava a ir para a praia e pensei "porque não?". Então decidi ligar.
Nos dias que correram podemos sair do anonimato num ápice. O quê que sentiste quando percebeste no dia seguinte à divulgação da tua Prova Cega que esse vídeo e tinha tornado viral e estava a correr o mundo?
No dia em que a minha Prova Cega foi para o ar, estávamos todos juntos no hotel (em gravações para as fases seguintes) e os meus colegas deram-me os parabéns. Estávamos todos a descontrair e começaram-me a dizer que havia muitas partilhas do vídeo da minha Prova Cega no Twitter. No dia seguinte foram ao quarto acordar-me e disseram-me que tinha 30 mil partilhas num vídeo de uma rapariga. Não queria acreditar que numa noite tinha conseguido 30 mil partilhas. Quando fui ver novamente o vídeo da minha Prova Cega, percebi que realmente nota-se que há emoção e que dei tudo de mim. E fico feliz por as pessoas terem percebido isso.
Porquê que a dada altura a "When we were young" se tornou a canção ideal para enfrentar as audições?
Eu acho que não existe a canção ideal. Existe sim o ser genuíno porque se alguém for mostrar aquilo que não é, as pessoas percebem. Eu decidi cantar uma música que gosto e que fale de amor, que é algo que eu gosto de cantar. Acima de tudo queria ser genuíno e mostrar que estava lá por mim, para ganhar. Se o público gostasse muito bem, se não gostasse seguia o meu caminho. Mas tive a sorte de as pessoas gostarem.
Já tinhas a visão da estratégia de pegar num tema de uma mulher?
Tinha várias opções: John Legend, Bruno Mars, Adele, etc. E pensei que, se calhar, as pessoas iam gostar mais depressa de uma versão masculina de uma música que é cantada por uma mulher do que propriamente só mais um rapaz a cantar uma música de um homem. Acabei por arriscar e acho que fiz bem.
O número 665 vai ter um lugar especial na tua vida?
Sim, é o número da minha inscrição e fez de mim vencedor da edição de 2016 do The Voice Portugal.
Ajoelhaste-te no momento da vitória. O que te passou pela cabeça naquele momento?
Naquele momento não me passou nada pela cabeça. Se ganhasse o Murta eu ter-me-ia ajoelhado na mesma porque era um acumular de tanta pressão e eu tinha um misto de emoções dentro de mim que aquilo foi completamente genuíno!
Durante o decorrer da gala final, sentiste que estavas com os pés assentes na terra ou a determinada altura estavas a pairar?
Tentei sempre manter a calma porque sabíamos que iriam mostrar as votações a meio da gala. Ao inicio que estava em primeiro, depois passei para segundo mas a emoção foi a mesma e tentei dar um grande show porque também tinha a atuação da "Chandelier" da Sia que poderia baralhar um bocadinho as votações pois tinha um arranjo diferente e tentei que fosse um boom tão grande como foi a da Prova Cega com a música da Adele.
Agora que já levas alguma experiência de audições, se calhar já podes dar uma dica lá para a casa para aqueles que estão a pensar candidatar-se para a edição deste ano de 2017 do The Voice. Tem de haver critério para escolher a música, não basta pensar na música favorita e fazer um casting, certo?
Há que ter cinco princípios para conseguir ir mais longe e fazer com que as pessoas gostem de nós. Ter ambição, ter humildade e saber de onde se viemos, ser inteligente nas escolhas musicais, não interpretar músicas que já foram muito cantadas porque senão passa a ser só mais uma e por fim ser nós mesmos.
A partir do momento em que a tua audição passou a ser divulgada a nível mundial tu tornaste-te um concorrente inequívoco à vitória. Houve algum momento em que sentisses que o público português poderia pensar de forma diferente do resto das pessoas que tanto elogiavam a tua Prova Cega no resto do mundo?
Quando eu vi que estava a ter muita adesão no vídeo da Prova Cega, eu sabia que as pessoas poderiam pensar que que me iria "encostar um bocadinho à sombra da bananeira" a aproveitar a popularidade que ganhei. Deixei colher os louros só para o fim, independentemente do lugar em que saísse, mas comecei a sentir muita pressão porque sabia que as pessoas queriam que todas as minhas atuações fossem como a minha prova cega. Mas depois também comecei a pensar que as pessoas também têm de ter noção que eu sou humano e não tenho de dar sempre um show num concerto: há uma música que vai arrepiar, uma que vai fazer chorar, uma que vai entreter... há que ter esse balanço de músicas. Acabou por ser difícil gerir essa pressão toda.
Pelas redes sociais, comecei a perceber que as pessoas gostavam muito de mim e que se calhar me viam como um favorito mas era sempre algo que eu desvalorizava porque parti sempre do princípio que tínhamos todos as mesmas hipóteses e que ali éramos todos iguais. A partir do momento em que comecei a ver que estava sempre a ser escolhido pelo público nas galas deu para entender que na equipa do Mickael seria se calhar um favorito e só tinha de saber gerir esse favoritismo e fazer boas escolhas musicais que nem sempre aconteceram.
Queres falar desses acidentes de percurso?
A música do John Legend, por exemplo, é uma música que gosto de cantar mas se calhar não foi uma boa escolha porque não deu para mostrar muito: era uma música mais para tocar no coração e não para dar grande show pois era uma música mais calma. Vi muitos comentários de pessoas que não gostavam e tentei começar agradar a toda a gente e quando se tenta fazer isso acaba-se por cometer um erro. As pessoas diziam que eu "gritava" mais do que cantava, então tentei mostrar algo diferente.
E acabou por ser uma desilusão para as pessoas que já te seguiam, não é?
Sim e acho que desrespeitei um bocadinho o gosto e o apoio dessas pessoas que já me seguem para agradar pessoas que mesmo que eu cantasse Whitney Houston maravilhosamente bem, nunca iria agradar. Por isso, acho que essa música do John Legend foi um erro de percurso e também a música do Bryan Adams não foi uma boa escolha pelo facto de estar doente desde a primeira gala. É difícil recuperar com tantos ensaios e galas. Na gala em cantei Bryan Adams, estava muito afónico e como é uma música que pede muito pela voz acabou por ser uma má escolha. Até porque o facto de estar doente provocou-me alguma insegurança em palco que se transmitiu para quem estava a assistir.
O final das tuas atuações foi sempre diferente mediante as emoções. Nota-se no Tira-Teimas alguma introspeção porque estavas a pensar no teu avô e na Prova Cega demonstras muita convicção no final pois estavas com a garra toda. No tema da Sia tu baixas o rosto, o que se passou ali?
Era uma música que exigia muita técnica e eu sabia que não estava a 100% por isso estava a arriscar mesmo muito em fazer algo tipo a música da Adele. Como sabia que era um grande risco estive sempre a cantar com o coração nas mãos. Tentei acalmar-me e fui cantando mas a partir de certa altura pensei para mim mesmo que não deveria estar a mostrar técnica se muitas das vezes as pessoas dão mais valor à emoção que se transmite e acho que é isso que me caracteriza, apesar de também ter alguma técnica mas ao longo do percurso vai-se sempre aprendendo mais. A meio da música eu não fiz o mesmo que tinha feito nos ensaios, deixei que a minha intuição me guiasse. Quando acabei suspirei de alívio e acho que a banda também não levou a mal o facto de eu ter alterado certas colocações de voz ou certos arranjos que fiz.
És de Aveiro, a viver em Estarreja. Já tiveste tempo de passar por lá para ver como as pessoas reagiam?
No dia a seguir tinha de estar em Lisboa para preparar a gala de Fim de Ano mas decidi ir a casa porque a minha mãe e outros familiares vieram de propósito do Luxemburgo e quis aproveitar embora fossem só algumas horas. Chegamos a casa quase ás 6h30 da manhã, estivemos a ver o programa e ás 8h30 tinha de ir apanhar o comboio para Lisboa. Fui tomar o pequeno almoço à pastelaria do centro, apesar de ter acabado por não comer nada, e muitas pessoas disseram-me que tinham muito orgulho por eu ser de Estarreja e agradeceram por trazer o troféu para a nossa terra. Não é uma cidade muito grande mas as pessoas têm um coração muito grande e é bom ter esse apoio de onde crescemos. É sempre bom voltar a casa mas mais ainda como vencedor do The Voice Portugal. Não tem explicação.
Otimista ou pessimista?
Sempre otimista. Acho que um pensamento positivo atrai sempre coisas positivas. Isso ás vezes pode parecer um bocado cliché mas a verdade é que se mantivermos um pensamento positivo, a vontade de querermos ir atrás das coisas é mais forte e isso é crucial.
Escolheste o Mickael como mentor. Era algo que já tinhas pensado inicialmente ou decidiste no momento?
Decidi no momento. Quando estava prestes a entrar não sabia como iria escolher: primeiro pensei em escolher quem virasse primeiro a cadeira, depois pensei na última pessoa porque é aquela que é perfecionista e quer ver se as coisas correm bem até ao fim. Acabei por ir pela primeira ideia mas viraram duas pessoas ao mesmo tempo: o Mickael e a Marisa. No final a Marisa pediu-me um abraço e pensei em escolher a Marisa mas o Mickael começou a falar e decidi escolhê-lo porque ele mostrou muita vontade de trabalhar comigo. E logo no momento em que o escolhi, vi que optei pela melhor pessoa porque ele ajoelhou-se e viu-se que ficou muito contente por me ter na equipa dele.
E é uma pessoa que é verdadeiramente um mentor, até hoje, certo?
Sim, até mesmo depois do programa falamos ele mostrou-se muito disponível para me ajudar no que eu precisar.
Para quem não conhece o teu percurso, quando e como é que começaste a cantar?
Como toda a gente, acho que comecei no chuveiro e cantava em casa quando ninguém estava porque tinha vergonha. As minhas irmãs cantavam num grupo coral e quando souberam que eu cantava, íamos cantando todos em casa. Um dia surgiu uma oportunidade de cantar na escola para substituir uma atuação da campanha da lista para a associação de estudantes. Estava muito nervoso, nem olhava para as pessoas. O polivalente estava cheio e para mim parecia que aquela escola nunca tinha tido tanta gente e foi aí que surgiu a vontade de pisar palcos maiores. Cantei em português e em inglês e as pessoas aplaudiram muito e gritaram o meu nome no final.
Já não é a primeira vez que participas em programas deste género. O que te fez voltar a concorrer?
Acho que foi a vontade de vencer depois de ter ouvido alguns nãos. Na minha primeira participação quis mostrar-me ao país e gostaram.
Mas porquê que era preciso um programa deste género para o teu arranque? Porquê que precisavas de vencer um talent show para arrancar a sério?
Primeiro porque é uma conquista pessoal enorme, é um elevar de auto-estima e ego, neste caso saudável, que é preciso. Sei que venho de uma zona pequena onde ninguém saiu para lado nenhum por isso sabia que tinha de me mostrar ao país e não há nada melhor do que a televisão para isso. Fui duas vezes e não deu, à terceira tinha de ser de vez e foi mesmo.
Tu cantas, tocas guitarra, estás a aprender piano e compões por isso as músicas vão surgir naturalmente. Já existe material, certo?
Sim. Aliás, entre o meu percurso no antigo programa e no The Voice, eu estive em contacto com uma discográfica e eles tinham algum material que eu compus. Gravamos algumas coisas, só que a partir de certo momento deram-me a opção de seguir outro estimo musical que se calhar vende mais, o kizomba. Respeito muito esse género musical mas não é o meu estilo. Decidi não aceitar a proposta e aguardar por alguém que apostasse em mim no meu registo musical.
Um aspeto que eu acho curioso é que a tua geração é muito mais interativa e vejo isso nas tuas redes sociais pela forma como vais comunicando com as pessoas. Existe essa perceção de que esta comunicação que é feita diretamente com o público é muito importante?
Sim, hoje em dia uma boa gestão de redes sociais faz meio artista. Há que saber falar com as pessoas porque elas gostam dessa proximidade. As pessoas querem estar no nosso dia-a-dia e saber o que andamos a fazer daí existir muito trabalho a nível de redes sociais porque as pessoas que nos apoiam merecem também estar no nosso dia-a-dia.
Disseste em tempos que daqui a 20 anos e já com uma longa carreira, gostavas que o público pudesse olhar para ti e recordar e orgulhar-se por te ter um dia dado a mão e ajudado a construir o teu caminho. Como é que tu pensas em construir esse futuro?
Em primeiro lugar, eu quero juntar a equipa certa, como a Áurea disse na final, pois é muito importante a equipa com quem trabalhamos e neste momento estou com uma grande editora. Depois tenho de criar músicas minhas, que as pessoas ouçam e identifiquem que sou eu e que lhes chegue ao coração. É isso que tenho de fazer para que daqui a 20 anos as pessoas se possam orgulhar de ter estado comigo ao longo destes 20 anos. Vejo-me a encher um estádio e quero formar uma carreira aqui mas depois poder ir lá para fora e deixar os portugueses orgulhosos. Queria muito um dia estar numa Billboard (revista semanal norte-americana especializada em informações sobre a indústria musical)! Tenho os pés bem assentes no chão mas gosto de sonhar e acho que tenho a ambição, a força e a garra necessária para poder lutar muito por mais difícil que isso seja.
Porquê que dizes que não tiveste a infância com que se sonha?
Até aos 10 anos, a minha infância foi normal. Quando tinha 10 anos, o meu pai sofreu um acidente de viação porque teve um AVC enquanto conduzia e a partir daí a minha vida estagnou um bocadinho. Na altura esconderam-me isso, o meu pai estava em coma no hospital e ninguém me dizia nada. Passado uma semana, quando ele saiu dos cuidado intensivos, fui vê-lo ao hospital e vi o meu pai agarrado a uma cadeira de rodas e não me reconheceu. Passados dois anos, os meus pais divorciaram-se, passei a viver sem a minha mãe e o meu pai ainda estava meio debilitado. Passamos algumas dificuldades mas tivemos a ajuda de várias pessoas a quem agradeço muito, incluindo os meus avós
Qual o retorno de uma vida de consciência, maturidade e luta?
Hoje posso dizer que tenho uma bagagem mais que suficiente para um dia quando constituir família dar tudo o que eu não tive aos meus filhos. Ter uma união familiar que eu não tive por causa do divórcio dos meus pais e acima de tudo saber fazer as escolhas certas enquanto pessoa.
Porquê que gostas tanto de fotografias a preto e branco?
Porque as pessoas reparam sempre logo vão ficar a conhecer-me por isso também. Toda a gente mete fotos a cores, porque não marcar a diferença com fotos a preto e branco? Mas também é um gosto pessoal.
Vídeo da entrevista em: http://media.rtp.pt/sociedaderecreativa/videos/fernando-daniel/
Naquele momento não me passou nada pela cabeça. Se ganhasse o Murta eu ter-me-ia ajoelhado na mesma porque era um acumular de tanta pressão e eu tinha um misto de emoções dentro de mim que aquilo foi completamente genuíno!
Durante o decorrer da gala final, sentiste que estavas com os pés assentes na terra ou a determinada altura estavas a pairar?
Tentei sempre manter a calma porque sabíamos que iriam mostrar as votações a meio da gala. Ao inicio que estava em primeiro, depois passei para segundo mas a emoção foi a mesma e tentei dar um grande show porque também tinha a atuação da "Chandelier" da Sia que poderia baralhar um bocadinho as votações pois tinha um arranjo diferente e tentei que fosse um boom tão grande como foi a da Prova Cega com a música da Adele.
Agora que já levas alguma experiência de audições, se calhar já podes dar uma dica lá para a casa para aqueles que estão a pensar candidatar-se para a edição deste ano de 2017 do The Voice. Tem de haver critério para escolher a música, não basta pensar na música favorita e fazer um casting, certo?
Há que ter cinco princípios para conseguir ir mais longe e fazer com que as pessoas gostem de nós. Ter ambição, ter humildade e saber de onde se viemos, ser inteligente nas escolhas musicais, não interpretar músicas que já foram muito cantadas porque senão passa a ser só mais uma e por fim ser nós mesmos.
A partir do momento em que a tua audição passou a ser divulgada a nível mundial tu tornaste-te um concorrente inequívoco à vitória. Houve algum momento em que sentisses que o público português poderia pensar de forma diferente do resto das pessoas que tanto elogiavam a tua Prova Cega no resto do mundo?
Quando eu vi que estava a ter muita adesão no vídeo da Prova Cega, eu sabia que as pessoas poderiam pensar que que me iria "encostar um bocadinho à sombra da bananeira" a aproveitar a popularidade que ganhei. Deixei colher os louros só para o fim, independentemente do lugar em que saísse, mas comecei a sentir muita pressão porque sabia que as pessoas queriam que todas as minhas atuações fossem como a minha prova cega. Mas depois também comecei a pensar que as pessoas também têm de ter noção que eu sou humano e não tenho de dar sempre um show num concerto: há uma música que vai arrepiar, uma que vai fazer chorar, uma que vai entreter... há que ter esse balanço de músicas. Acabou por ser difícil gerir essa pressão toda.
Pelas redes sociais, comecei a perceber que as pessoas gostavam muito de mim e que se calhar me viam como um favorito mas era sempre algo que eu desvalorizava porque parti sempre do princípio que tínhamos todos as mesmas hipóteses e que ali éramos todos iguais. A partir do momento em que comecei a ver que estava sempre a ser escolhido pelo público nas galas deu para entender que na equipa do Mickael seria se calhar um favorito e só tinha de saber gerir esse favoritismo e fazer boas escolhas musicais que nem sempre aconteceram.
Queres falar desses acidentes de percurso?
A música do John Legend, por exemplo, é uma música que gosto de cantar mas se calhar não foi uma boa escolha porque não deu para mostrar muito: era uma música mais para tocar no coração e não para dar grande show pois era uma música mais calma. Vi muitos comentários de pessoas que não gostavam e tentei começar agradar a toda a gente e quando se tenta fazer isso acaba-se por cometer um erro. As pessoas diziam que eu "gritava" mais do que cantava, então tentei mostrar algo diferente.
E acabou por ser uma desilusão para as pessoas que já te seguiam, não é?
Sim e acho que desrespeitei um bocadinho o gosto e o apoio dessas pessoas que já me seguem para agradar pessoas que mesmo que eu cantasse Whitney Houston maravilhosamente bem, nunca iria agradar. Por isso, acho que essa música do John Legend foi um erro de percurso e também a música do Bryan Adams não foi uma boa escolha pelo facto de estar doente desde a primeira gala. É difícil recuperar com tantos ensaios e galas. Na gala em cantei Bryan Adams, estava muito afónico e como é uma música que pede muito pela voz acabou por ser uma má escolha. Até porque o facto de estar doente provocou-me alguma insegurança em palco que se transmitiu para quem estava a assistir.
O final das tuas atuações foi sempre diferente mediante as emoções. Nota-se no Tira-Teimas alguma introspeção porque estavas a pensar no teu avô e na Prova Cega demonstras muita convicção no final pois estavas com a garra toda. No tema da Sia tu baixas o rosto, o que se passou ali?
Era uma música que exigia muita técnica e eu sabia que não estava a 100% por isso estava a arriscar mesmo muito em fazer algo tipo a música da Adele. Como sabia que era um grande risco estive sempre a cantar com o coração nas mãos. Tentei acalmar-me e fui cantando mas a partir de certa altura pensei para mim mesmo que não deveria estar a mostrar técnica se muitas das vezes as pessoas dão mais valor à emoção que se transmite e acho que é isso que me caracteriza, apesar de também ter alguma técnica mas ao longo do percurso vai-se sempre aprendendo mais. A meio da música eu não fiz o mesmo que tinha feito nos ensaios, deixei que a minha intuição me guiasse. Quando acabei suspirei de alívio e acho que a banda também não levou a mal o facto de eu ter alterado certas colocações de voz ou certos arranjos que fiz.
És de Aveiro, a viver em Estarreja. Já tiveste tempo de passar por lá para ver como as pessoas reagiam?
No dia a seguir tinha de estar em Lisboa para preparar a gala de Fim de Ano mas decidi ir a casa porque a minha mãe e outros familiares vieram de propósito do Luxemburgo e quis aproveitar embora fossem só algumas horas. Chegamos a casa quase ás 6h30 da manhã, estivemos a ver o programa e ás 8h30 tinha de ir apanhar o comboio para Lisboa. Fui tomar o pequeno almoço à pastelaria do centro, apesar de ter acabado por não comer nada, e muitas pessoas disseram-me que tinham muito orgulho por eu ser de Estarreja e agradeceram por trazer o troféu para a nossa terra. Não é uma cidade muito grande mas as pessoas têm um coração muito grande e é bom ter esse apoio de onde crescemos. É sempre bom voltar a casa mas mais ainda como vencedor do The Voice Portugal. Não tem explicação.
Otimista ou pessimista?
Sempre otimista. Acho que um pensamento positivo atrai sempre coisas positivas. Isso ás vezes pode parecer um bocado cliché mas a verdade é que se mantivermos um pensamento positivo, a vontade de querermos ir atrás das coisas é mais forte e isso é crucial.
Escolheste o Mickael como mentor. Era algo que já tinhas pensado inicialmente ou decidiste no momento?
Decidi no momento. Quando estava prestes a entrar não sabia como iria escolher: primeiro pensei em escolher quem virasse primeiro a cadeira, depois pensei na última pessoa porque é aquela que é perfecionista e quer ver se as coisas correm bem até ao fim. Acabei por ir pela primeira ideia mas viraram duas pessoas ao mesmo tempo: o Mickael e a Marisa. No final a Marisa pediu-me um abraço e pensei em escolher a Marisa mas o Mickael começou a falar e decidi escolhê-lo porque ele mostrou muita vontade de trabalhar comigo. E logo no momento em que o escolhi, vi que optei pela melhor pessoa porque ele ajoelhou-se e viu-se que ficou muito contente por me ter na equipa dele.
E é uma pessoa que é verdadeiramente um mentor, até hoje, certo?
Sim, até mesmo depois do programa falamos ele mostrou-se muito disponível para me ajudar no que eu precisar.
Para quem não conhece o teu percurso, quando e como é que começaste a cantar?
Como toda a gente, acho que comecei no chuveiro e cantava em casa quando ninguém estava porque tinha vergonha. As minhas irmãs cantavam num grupo coral e quando souberam que eu cantava, íamos cantando todos em casa. Um dia surgiu uma oportunidade de cantar na escola para substituir uma atuação da campanha da lista para a associação de estudantes. Estava muito nervoso, nem olhava para as pessoas. O polivalente estava cheio e para mim parecia que aquela escola nunca tinha tido tanta gente e foi aí que surgiu a vontade de pisar palcos maiores. Cantei em português e em inglês e as pessoas aplaudiram muito e gritaram o meu nome no final.
Já não é a primeira vez que participas em programas deste género. O que te fez voltar a concorrer?
Acho que foi a vontade de vencer depois de ter ouvido alguns nãos. Na minha primeira participação quis mostrar-me ao país e gostaram.
Mas porquê que era preciso um programa deste género para o teu arranque? Porquê que precisavas de vencer um talent show para arrancar a sério?
Primeiro porque é uma conquista pessoal enorme, é um elevar de auto-estima e ego, neste caso saudável, que é preciso. Sei que venho de uma zona pequena onde ninguém saiu para lado nenhum por isso sabia que tinha de me mostrar ao país e não há nada melhor do que a televisão para isso. Fui duas vezes e não deu, à terceira tinha de ser de vez e foi mesmo.
Tu cantas, tocas guitarra, estás a aprender piano e compões por isso as músicas vão surgir naturalmente. Já existe material, certo?
Sim. Aliás, entre o meu percurso no antigo programa e no The Voice, eu estive em contacto com uma discográfica e eles tinham algum material que eu compus. Gravamos algumas coisas, só que a partir de certo momento deram-me a opção de seguir outro estimo musical que se calhar vende mais, o kizomba. Respeito muito esse género musical mas não é o meu estilo. Decidi não aceitar a proposta e aguardar por alguém que apostasse em mim no meu registo musical.
Um aspeto que eu acho curioso é que a tua geração é muito mais interativa e vejo isso nas tuas redes sociais pela forma como vais comunicando com as pessoas. Existe essa perceção de que esta comunicação que é feita diretamente com o público é muito importante?
Sim, hoje em dia uma boa gestão de redes sociais faz meio artista. Há que saber falar com as pessoas porque elas gostam dessa proximidade. As pessoas querem estar no nosso dia-a-dia e saber o que andamos a fazer daí existir muito trabalho a nível de redes sociais porque as pessoas que nos apoiam merecem também estar no nosso dia-a-dia.
Disseste em tempos que daqui a 20 anos e já com uma longa carreira, gostavas que o público pudesse olhar para ti e recordar e orgulhar-se por te ter um dia dado a mão e ajudado a construir o teu caminho. Como é que tu pensas em construir esse futuro?
Em primeiro lugar, eu quero juntar a equipa certa, como a Áurea disse na final, pois é muito importante a equipa com quem trabalhamos e neste momento estou com uma grande editora. Depois tenho de criar músicas minhas, que as pessoas ouçam e identifiquem que sou eu e que lhes chegue ao coração. É isso que tenho de fazer para que daqui a 20 anos as pessoas se possam orgulhar de ter estado comigo ao longo destes 20 anos. Vejo-me a encher um estádio e quero formar uma carreira aqui mas depois poder ir lá para fora e deixar os portugueses orgulhosos. Queria muito um dia estar numa Billboard (revista semanal norte-americana especializada em informações sobre a indústria musical)! Tenho os pés bem assentes no chão mas gosto de sonhar e acho que tenho a ambição, a força e a garra necessária para poder lutar muito por mais difícil que isso seja.
Porquê que dizes que não tiveste a infância com que se sonha?
Até aos 10 anos, a minha infância foi normal. Quando tinha 10 anos, o meu pai sofreu um acidente de viação porque teve um AVC enquanto conduzia e a partir daí a minha vida estagnou um bocadinho. Na altura esconderam-me isso, o meu pai estava em coma no hospital e ninguém me dizia nada. Passado uma semana, quando ele saiu dos cuidado intensivos, fui vê-lo ao hospital e vi o meu pai agarrado a uma cadeira de rodas e não me reconheceu. Passados dois anos, os meus pais divorciaram-se, passei a viver sem a minha mãe e o meu pai ainda estava meio debilitado. Passamos algumas dificuldades mas tivemos a ajuda de várias pessoas a quem agradeço muito, incluindo os meus avós
Qual o retorno de uma vida de consciência, maturidade e luta?
Hoje posso dizer que tenho uma bagagem mais que suficiente para um dia quando constituir família dar tudo o que eu não tive aos meus filhos. Ter uma união familiar que eu não tive por causa do divórcio dos meus pais e acima de tudo saber fazer as escolhas certas enquanto pessoa.
Porquê que gostas tanto de fotografias a preto e branco?
Porque as pessoas reparam sempre logo vão ficar a conhecer-me por isso também. Toda a gente mete fotos a cores, porque não marcar a diferença com fotos a preto e branco? Mas também é um gosto pessoal.
Vídeo da entrevista em: http://media.rtp.pt/sociedaderecreativa/videos/fernando-daniel/
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